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Em uma sociedade marcada por profundas desigualdades, o desejo por ascensão financeira é mais do que compreensível. Para quem vive na hipossuficiência — na condição de quem serve, trabalha excessivamente e luta diariamente pela sobrevivência — alcançar uma vida melhor é um sonho legítimo e urgente. A promessa de dias mais leves, de uma existência menos consumida pelo trabalho, parece ser o alívio esperado depois de anos de sacrifício. Mas o que acontece quando esse objetivo é finalmente alcançado?
A resposta, infelizmente, não é simples — e tampouco romântica.
Ao atingir a chamada hipersuficiência, muitos indivíduos passam a desfrutar de um padrão de vida mais confortável. Viajam, consomem, experimentam o luxo e gozam de privilégios que antes pareciam inalcançáveis. No entanto, o que frequentemente passa despercebido é que, nesse processo, muitos acabam reproduzindo as mesmas estruturas que os oprimiam. Aqueles que um dia foram explorados passam a explorar. Aqueles que serviram, agora são servidos.
Isso não acontece por maldade pura ou por consciência plena. Trata-se de um ciclo social moldado por um sistema que dita como devemos viver, o que devemos consumir e como devemos ser percebidos. A ascensão, na forma como é construída hoje, não é apenas sobre ter mais recursos, mas sobre ocupar um lugar de poder — muitas vezes às custas de quem ficou para trás.
Nesse cenário, o consumo não é apenas uma consequência da conquista, mas uma exigência social. As redes sociais, os modelos de sucesso e os discursos meritocráticos incentivam a ostentação como forma de validação pessoal. Ser visto como alguém “vencedor” é mais importante do que, de fato, encontrar formas sustentáveis e humanas de viver bem.
Assim, a subjetividade das pessoas — ou seja, a forma como pensam, sentem e planejam suas vidas — é moldada por uma lógica de comparação constante. A felicidade se torna um produto, e o “viver mais a vida” se confunde com acumular bens, seguidores e status. Pouco a pouco, a empatia se esvai. A coletividade se esfria. O outro se torna invisível.
Nesse ambiente, a individualidade exacerbada se disfarça de liberdade, quando, na verdade, é apenas mais uma engrenagem do sistema. Para que ele funcione, é preciso que todos acreditem no mesmo ideal e o reforcem uns nos outros — mesmo que isso implique em repetir, com outros, a dor que um dia sentiram.
A prosperidade não precisa se apoiar no egoísmo, na vaidade ou na superioridade. Ela pode — e deve — ser compartilhada. Crescer financeiramente pode ser uma oportunidade para ampliar a compaixão, fortalecer redes de apoio, investir no bem-estar coletivo. Afinal, a ascensão que ignora os que ainda lutam não é elevação: é apenas a troca de posição dentro da mesma lógica opressora.
O desafio está em romper o ciclo. E isso começa por enxergar o outro — e lembrar de quem fomos.