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O recente vídeo de Jojo Todynho, no qual ela comenta sobre o SUS e a realidade dos serviços públicos no Brasil, viralizou rapidamente não apenas pela espontaneidade da fala, mas principalmente pela força do discurso: “Faça por você, porque o governo não está nem aí”.
Jojo fala com a autoridade de quem viveu na pele a dureza da periferia e, com mérito, conquistou uma nova posição social. Justamente por isso, seu discurso ecoa com ainda mais força em uma população cansada de esperar por políticas públicas eficazes. No entanto, ao sugerir que a solução está apenas em "correr atrás", sua fala desvia o olhar do real problema: a omissão histórica do Estado e a desigualdade estrutural que impede milhões de sequer terem por onde começar a correr.
Esse tipo de narrativa, tão comum em tempos de desilusão, ignora que não é possível universalizar histórias de superação como se fossem receitas. Ao reforçar a lógica de que “cada um por si”, deslegitima a importância do coletivo, da solidariedade, da luta por políticas públicas e da manutenção de direitos básicos como saúde, educação e moradia.
Pior: esse discurso não é novo. Ele enfatiza que o sucesso depende apenas do indivíduo, que o Estado é ineficiente e que quem fracassa é porque não se esforçou o suficiente. É o tipo de pensamento que abre espaço para o sucateamento dos serviços públicos e para a criminalização da pobreza — afinal, se todos podem “vencer”, quem não vence só pode estar com preguiça.
Claro, não se trata de desqualificar quem vence apesar das adversidades. O problema está em transformar essa exceção em regra e usá-la como argumento para invalidar a luta por igualdade. Ao dizer que "ninguém está preocupado com você", Jojo reforça uma lógica de abandono — não do Estado para com o povo, mas do povo entre si. Em vez de unir forças para exigir políticas públicas de qualidade, a tendência passa a ser competir, se isolar e achar que cada um deve se salvar como puder.
Essa mentalidade produz efeitos nocivos: naturaliza a desigualdade, individualiza responsabilidades que são coletivas e enfraquece movimentos sociais que lutam justamente para que o “fazer por si” não seja a única alternativa de sobrevivência. Afasta a possibilidade de pensar em soluções sistêmicas e transforma a autopreservação em virtude.
O que precisamos, ao contrário, é reafirmar que o acesso a saúde, a educação, ao trabalho digno e a moradia não é caridade, mas direito. Que o sucesso de uma pessoa não pode ser argumento para a falência de um projeto de sociedade. E que a verdadeira transformação social não se faz com frases de efeito sobre esforço próprio, mas com solidariedade, políticas públicas fortes e responsabilidade coletiva.